Jorge Leite de Oliveira
Allan
Kardec, pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail, foi cognominado,
por Camille Flammarion, o bom-senso encarnado. Desde sua juventude, este
Espírito de escol demonstrava seu senso positivista e racional, como
lemos na frase que escreveu, aos 24 anos, em obra sobre educação
pública: Aquele
que houver estudado as ciências rirá, então, da credulidade
supersticiosa dos ignorantes. Não mais crerá em espectros e fantasmas.
Não mais aceitará fogos-fátuos por Espíritos.1
Pois foi esse mesmo Rivail que, 26 anos mais tarde, já na madureza, foi
chamado a observar “estranhos fenômenos” e, após certo tempo de
hesitação e dúvidas, resolveu investigar in loco as chamadas
manifestações das mesas girantes, muito em voga na Europa, em especial
na França, ali pelos anos 50 do século XIX. Viu, ouviu e sentiu,
naquelas comunicações, estar contida a síntese das revelações divinas à
Humanidade. Foi-lhe, então, revelada sua missão2
pelo Espírito Verdade e por outros Espíritos de escola, segundo a qual
ele proporcionaria à Humanidade a certeza da existência, sobrevivência e
manifestação das almas dos chamados mortos e as consequências morais
advindas dessa certeza. Prepararia, pois, a Humanidade para uma vida
melhor, resultante do conhecimento e prática das leis morais, com base
no esclarecimento das respostas às perguntas que sempre nos inquietaram:
Quem sou? De onde vim? Qual a finalidade de minha vida na Terra? Para
onde vou após a morte do meu corpo físico? Diante da grandiosidade da
nova revelação, Rivail cercou-se de todos os cuidados para evitar
fraudes, bem como da companhia de pessoas sérias como ele, e, com base
no método da observação e da experimentação, preparou 1.019 perguntas,
que foram respondidas pelos emissários celestes, sobre as mais
transcendentes questões.
Hippolyte adotou o pseudônimo Allan Kardec, “nome que, segundo lhe revelara o guia, ele tivera ao tempo dos druidas”,3
a fim de melhor desenvolver seus trabalhos, anônima e cautelosamente,
uma vez que, segundo lhe fora informado, o Consolador prometido por
Jesus provocaria enorme inquietação, mormente nas almas dos
materialistas e religiosos despreparados para a chegada dos novos
tempos: Se me amardes, guardareis os
meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador,
para que fique convosco para sempre, o Espírito da Verdade, que o mundo
não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis,
porque habita convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos,
voltarei para vós. [...] Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o
Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará
lembrar de tudo quanto vos tenho dito. (João, 14:15-18 e 26.)
Assim viria a lume a obra intitulada O Livro dos Espíritos, inicialmente
com 501 questões e já na segunda edição com 1.019, cujas respostas
foram obtidas com a ajuda de médiuns, em especial mulheres, a maioria
delas ainda bastante jovens. As informações colhidas por Kardec eram
surpreendentes, anunciavam os primórdios de uma Nova Era para a
Humanidade. Poucos
anos depois, essa obra deu origem a quatro outras, que completaram o
trabalho gigantesco da codificação da Doutrina Espírita: O Livro dos
Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A
Gênese. Com
humildade, Kardec sempre se eximiu da autoria da obra, a qual atribuiu
exclusivamente aos Espíritos superiores que lhe transmitiram seus
ensinamentos elevados. Mas seu trabalho foi muito além de simplesmente
organizar e dispor as questões que deram origem a todo o edifício do
Espiritismo. Comparava as respostas e rejeitava o que não estava de
acordo com o “consenso universal”, por orientação das entidades
superiores que o inspiravam, cuja direção suprema era a do Espírito
Verdade. Refletia sobre as respostas, analisava-as, elaborava
comentários de grande sabedoria e deduzia as consequências morais de
alta relevância para a Humanidade, advindas do conhecimento e prática
dessas revelações.
Na
Introdução de O Livro dos Espíritos, somos esclarecidos sobre a Ciência
espírita, que se baseia nas relações do mundo material com o dos
Espíritos, os seres inteligentes do mundo espiritual. Com fulcro na
moral de Jesus, a obra aborda, entre outros, os seguintes assuntos:
Existência de Deus; Imortalidade da Alma; Mundo dos Espíritos;
Reencarnação; Pluralidade dos Mundos Habitados e Comunicabilidade dos
Espíritos. Em Prolegômenos, lemos o anúncio dos Espíritos de que são
chegados “os tempos marcados pela Providência para uma manifestação
universal”. Os Espíritos superiores são os ministros de Deus e os
agentes de sua vontade. Sua missão é instruir e esclarecer os homens,
abrindo-se “uma Nova Era para a regeneração da Humanidade". As
informações sobre as Causas Primeiras, que têm Deus como a base de
tudo, com 75 questões respondidas, estão contidas no Livro Primeiro
dessa obra, que se subdivide em quatro Livros ou Partes. No Livro
Segundo, estão impressas as informações sobre o Mundo Espiritual ou dos
Espíritos. Essa parte vai da questão 76 a 613. Ali, encontramos
informações sobre os três elementos do ser humano: alma, perispírito e
corpo. Nesse Livro, temos ainda esclarecimentos de que a reencarnação se
caracteriza pela passagem das almas por muitas existências corporais e
de que “tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o
arcanjo, que também começou pelo átomo” (Q. 540). Ao tornarmo-nos
Espíritos puros, não mais estaremos sujeitos a reencarnações em corpos
grosseiros; a natureza espiritual será nossa conquista permanente, junto
com a felicidade, que jamais se confunde com um estado de eterna
ociosidade, haja vista que, para os Espíritos superiores, o trabalho
nada tem de penoso, e sim de imenso prazer e colaboração permanente com o
Criador. O Livro Terceiro trata sobre as Leis Morais. Possui 12
capítulos. Nele, somos informados de que a Lei Divina está escrita em
nossa consciência (Q. 621), de que Jesus é o tipo mais perfeito que Deus
já nos ofereceu para nos guiar e servir de modelo (Q. 625).
Também
temos ali a informação de que o meio prático mais eficaz de nos
melhorarmos nesta vida e de resistir ao arrastamento do mal é o do
autoconhecimento, junto à mais desinteressada caridade, e de que a
moral, regra de bem proceder, funda-se na estrita observância da lei de
Deus (Q. 919 e 919a). Por fim, deparamo-nos, no Livro Quarto, com as
Esperanças e Consolações, em apenas dois capítulos, que nos fazem
refletir sobre temas como o de que somos obreiros de nosso próprio
sofrimento, mas também da felicidade, quando, com nossa melhoria e
trabalho, colaborarmos para a transformação da Humanidade. Cabe-nos,
para isso, combater a grande praga do nosso tempo: o materialismo, fonte
de imensas desgraças, pela degradação moral a que são levados os que
nele creem, dando vazão aos instintos primitivos. A
elevação espiritual de Allan Kardec ressalta destas suas palavras, em
12 de junho de 1856, ao receber a incumbência do Espírito Verdade de
tornar-se o missionário da Codificação Espírita, que anuncia uma Nova
Era para a Humanidade: Senhor!
Já que te dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus
desígnios, faça-se a tua vontade! A minha vida está nas tuas mãos;
dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande
tarefa; a minha boa vontade não desfalecerá, mas talvez as forças me
traiam. Supre a minha deficiência; dá-me as forças físicas e morais que
me forem necessárias. Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu
auxílio e o amparo dos teus celestes mensageiros, tudo farei para
corresponder aos teus desígnios.4
Cerca
de 10 meses depois, a 18 de abril de 1857, era publicada a primeira
edição de O Livro dos Espíritos, e um novo tempo inaugurava-se para a
Humanidade! Cabe a nós, espíritas, estudar, refletir, comparar com as
demais obras da Codificação de Kardec e com os acontecimentos de nossa
época o conteúdo desse livro sempre atual e de incomparável grandeza.
Compete-nos trabalhar o sentimento e as ações na prática incessante do
bem e na divulgação dessa obra grandiosa, proveniente das mais altas
regiões espirituais, de onde o Cristo de Deus dirige os destinos da
Terra. Unamo-nos, como um feixe de varas conduzido por Jesus, a fim de
colaborarmos, humildemente, com sua obra de transformação da Terra num
mundo destinado aos justos e onde as misérias material e moral não mais
proliferem. Amemo-nos e instruamo-nos, começando pelo estudo e aplicação
prática de O Livro dos Espíritos!
1. WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. 3. ed.
2. reimp. v. 1. Rio de Janeiro: FEB, 2011. P. 2, cap. 1, it. 4, p. 263. 2
KARDEC, Allan. Obras póstumas.Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de
Janeiro: FEB, 2009. P. 2, Minha missão, 12 de junho de 1856, p. 366.
Capa 3 WANTUIL, Zêus; THIESEN. Francisco. Allan Kardec: o educador e o
codificador.
3. ed. 2. reimp. v. 1. Rio de Janeiro: FEB, 2011. P. 2, cap. 1, it. 6, p. 275.
4 KARDEC, Allan. Obras póstumas.Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de
Janeiro: FEB, 2009. P. 2, Minha missão, 12 de junho de 1856, p. 369.